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Rotisserie paulistana com 88 anos de tradição tem pratos do século passado

Larissa Januário

Do UOL, em São Paulo

23/07/2013 17h37

O que os integrantes da banda Sepultura, o ator Paulo Goulart, a atriz Irene Ravache e o escritor Manoel Carlos têm em comum, além de serem artistas famosos? Todos são fregueses assíduos da Bologna, tradicionalíssima rotisserie paulistana, fundada em 1925 pela família bolonhesa Trombetti, e que retomou suas atividades recentemente.

Sob nova direção, a Bologna ganhou infraestrutura moderna, mas o cardápio se mantém fiel à tradição de seus tempos áureos. Um exemplo é o camarão empanado, um dos carros-chefes da casa, que segue a mesma receita do início.

O salgadeiro responsável, Sebastião Rodrigues do Nascimento, que há mais de 45 anos está na cozinha da Bologna, garante: “Desde que cheguei aqui, com uns 25 anos de idade, nunca deixei de fazer essa receita. Só paramos de fabricar no governo Sarney, porque o camarão ficou muito caro com a inflação”, conta ele, que, aos 71 anos, nem pensa em parar de trabalhar na casa.

“No auge dos anos 1970, quando a Rua Augusta era o ponto mais chique da cidade, chegamos a vender 200 camarões por dia”, lembra Dirceu Evaristo Ribeiro, que tem 45 anos de casa e uma infinidade de histórias como atendente. “Nessa época, o Roberto Carlos encostava seu Cadillac amarelo aqui na porta para fazer compras. Ele sempre levava alguns dos nossos assados. Às vezes, era o peru, outras, o cabrito”, lembra. "E como todo mundo, sempre comia o camarão empanado", completa.

Para comer na hora

A novidade é que, agora, além de poder levar pra casa os pratos clássicos, os clientes podem comer no salão.

Além do camarão empanado e das coxinhas, foram mantidos no cardápio as empadas, o tradicional frango assado, o lagarto recheado, o pernil assado, o cordeiro com molho de ervas, o cabrito à caçadora e o escabeche de peixe, entre tantos outros. Sem contar as massas artesanais.

O menu de sobremesas traz bolos de sorvete produzidos na casa, como a cassata multicor e a torta gelada tricolor.

Tanto sucesso se deve a uma combinação de peso. O salgado é feito com um camarão grande e rosado, envolto em uma massa feita à base do caldo do crustáceo. Depois, é empanado e frito. "Na reinauguração vendemos 1.900 salgados em quatro horas. Teve até um cliente que veio e chorou porque tinha acabado. No dia seguinte, ele voltou e comeu 15 de uma só vez", conta Ribeiro.

Funcionários são a receita do sucesso
Como na Bologna tradição é o segredo da longevidade, parte da brigada também se mantém na casa. “Nossos funcionários são o nosso patrimônio mais importante. Dos 82, 16 deles estão aqui desde o comecinho. A administração e os sócios mudaram mais de quatro vezes, e a casa teve muitos altos e baixos. Foram os funcionários que mantiveram a Bologna viva todos esses anos. Eles conhecem as receitas, os clientes e todo o trabalho”, conta a empresária Gleusa Ferreira, uma das novas sócias.

A administração atual fez questão, inclusive, de recontratar algumas pessoas que trabalharam na casa no início, no Largo da Concórdia, região central de São Paulo. É o caso de Gerson Costa, de 74 anos, sendo 44 deles como cozinheiro da Bologna. “Eu estava em casa quando eles me chamaram para voltar e vim na hora. Adoro o que faço e quero morrer trabalhando”, diz o cozinheiro.

Atualmente, Costa é quem cuida dos antepastos e da maionese, que é outro clássico da casa e que, geralmente, acompanha o frango assado preparado por outro funcionário antigo, o Luiz Rodrigues do Nascimento. Irmão do salgadeiro Sebastião, ele responde pelo tempero e pelo preparo da ave há mais de 30 anos.

Há, inclusive, quem só trabalhou na Bologna. O balconista Dirceu, que atendia o cantor Roberto Carlos, chegou com 18 anos e nunca mais saiu. “Foi meu único emprego na vida”, revela. Com tanto tempo de balcão, o atendente estabeleceu uma relação íntima com seus clientes, famosos ou não. “Eu sei o que cada um gosta. Tem gente que nem precisa fazer o pedido. Quando chega, eu já mando servir. O Paulo Goulart, por exemplo, há anos vem buscar salpicão de frango”.

“Há quem venha de Santos, de Piracicaba e de outras cidades só para comer nossa comida”, gaba-se Evaristo. O balconista até hoje liga para os clientes mais antigos para avisar de algum prato favorito. Fregueses como o empresário da gastronomia Fabrizio Fasano, que sempre visita aos sábados para comer a coxa-branca, um tipo de coxa-creme feita com peito de frango. A receita é exclusiva da casa e ocupa, ao lado da empada de palmito e do bolinho de camarão, o posto de salgado clássico do cardápio.

A exemplo dos irmãos Nascimento, muitos na casa são parentes, primos, sobrinhos. “É como uma família mesmo. Acho que por isso que tem gente que está aqui há 20, 30 e 40 anos”, complementa Gleusa. E, se depender da empresária, a tradição será mantida. “Mudamos algumas coisas na estrutura, fizemos uma grande reforma, modernizamos os equipamentos, mas mantivemos o espírito da casa”.