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Chefs contam até que ponto cliente tem razão ao pedir mudança no prato

Devolver um prato em um restaurante por conta do ponto da carne pode ser mal visto por um chef - Thinkstock
Devolver um prato em um restaurante por conta do ponto da carne pode ser mal visto por um chef Imagem: Thinkstock

Rafael Mosna

Do UOL, em São Paulo

02/12/2013 19h09

Thiago Koch, chef do Beato, ficou impressionado quando uma cliente chegou ao restaurante com um pote lotado de um mix de pimentas frescas e ordenou para que fossem encaminhadas à cozinha. "Ela pediu para que seu risoto fosse feito com suas pimentas", conta. "Usei algumas, mandei 'pegando fogo' e até desci [a cozinha fica no segundo andar] para vê-la comendo. Mas ela ficou brava porque não usei tudo, virou o restante das pimentas no prato e comeu 'amarradona'."

Engana-se quem pensa que chefs, hoje em dia, se ofendem quando sua comida é considerada "um pouco sem sal" ou "menos apimentada do que deveria ser" pela clientela. Pelo menos é o que dizem os profissionais ouvidos pelo UOL Comidas e Bebidas.

"Eu não me ofendo, não", diz, categórica, Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto. "O 'sal ideal' varia muito de uma pessoa para outra, é um parâmetro bem pessoal mesmo", completa Marcelo Corrêa Bastos, do Jiquitaia. Dagoberto Torres, do Suri, e Checho Gonzales, que comanda a feira O Mercado, também são dessa opinião.

No caso da pimenta, a adição pode até mesmo ser vista com bons olhos. Alguns costumam, até mesmo, cozinhar num ponto abaixo do que consideram, para si, como o ideal.  "O sal é mais mal-visto, primeiro, pela questão de saúde; segundo, que na 'alta gastronomia', entre aspas, se usa pouco sal. Para com isso! O equilíbrio sempre vai estar certo, e o ponto de sal é uma questão cultural. Na Europa, usa-se menos e não adianta, de uma hora para a outra, querer adotar esse costume aqui", opina Checho.

Não mexa na minha carne
Devolver um prato para a cozinha alegando que o ponto de cocção está incorreto é algo que pode, sim, tirar um chef do sério. Por exemplo, se uma carne foi solicitada ao ponto e foi considerada como malpassada. "Isso é extremamente chato! É o nosso trabalho e sabemos o ponto correto. Tem cliente que acha que o restaurante é uma extensão da casa dele, acha que os cozinheiros são seus empregados. Não somos", diz Checho.

PEGA MAL? VEJA DICAS DO CRÍTICO DE GASTRONOMIA JOSIMAR MELO

- Restaurantes de cozinha mais autoral costumam supor que o prato já vem com tudo na medida; e é interessante para o cliente conhecer a concepção do chef, inclusive se ela equivale a servir algo com menos sal

- Restaurantes comuns (inclusive ótimos restaurantes comuns) devem estar abertos a pequenas interferências do cliente

- Quando a comunicação não é muito precisa, é possível que uma carne, por exemplo, venha mais crua do que o cliente imaginava. Se o prato não é superelaborado, cheio de ingredientes, não é grosseria pedir para que seja colocado mais dois minutos na grelha

- Não é uma gafe pedir coisas fora do cardápio, como uma porção de fritas para o filho, um purê de batatas para acompanhar o peixe ou trocar os legumes por um risoto no acompanhamento de uma carne. Enfim, vale o bom senso para quando não se trata de uma combinação inventada pelo chef

- Também não é grosseiro o restaurante que se recusa a fazer alterações em situações compreensíveis, como uma troca por algo que não existe no cardápio da casa; o chef pode não querer improvisar para não fazer errado

"Eu fico decepcionado, me dá uma tristeza danada, mas faço de acordo com o que foi pedido, mesmo que ele queira comer um carvão. Agora, se o prato volta, nossa, dá ódio", revela Thiago, do Beato.

Marcelo, do Jiquitaia, relativiza a questão do ponto da carne bovina. "O que a bibliografia gastronômica majoritária estabelece é bastante diferente do imaginado pela maior parte do público. Hoje em dia, é muito raro alguém pedir uma carne bem passada, embora muitas vezes a pessoa de fato queira o bem passado. Parece que ficou deselegante pedi-lo. Daí, a grande maioria pede, como eufemismo, 'no ponto para bem passado'."

Solicitações consideradas mirabolantes também podem ser mal vistas por quem trabalha em frente ao fogão. "Em caso de modificações, se acho que não vai ficar bom, vou à mesa para entender o que foi pedido e oriento meu cliente", garante Ana Luiza.

Há quem prefira atender o gosto do freguês, mesmo que a contragosto. "Eu estava servindo um choripán, que basicamente é um pão com linguiça. E uma moça veio até mim e pediu se eu podia fazer um 'choripán sem linguiça'... Você vai responder o quê?", pergunta Checho.

Thiago prefere "lavar as mãos", como ele mesmo define. "Quer uma paleta de cordeiro com um risoto, por exemplo, cítrico? Mando à parte. Eu não misturo os sabores no meu prato. Teve um outro cliente que pediu linguini ao vôngole sem alho, cebola ou salsinha. Horrível! Fica com cheiro de peixaria, uma sopa de água suja de peixe... É complicado. Quando você tenta agradar a todos, vai chegar o momento em que vai acabar passando do limite."