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Gastronomia precisa de 'menos marketing e mais qualidade', diz Suaudeau

Radicado no Brasil desde 1980, o chef francês Laurent Suaudeau veio ao Rio a convite de Paul Bocuse - Divulgação
Radicado no Brasil desde 1980, o chef francês Laurent Suaudeau veio ao Rio a convite de Paul Bocuse Imagem: Divulgação

Rafael Mosna

Do UOL, em São Paulo

22/01/2014 18h35

A sala do belo sobrado localizado na rua Groênlandia, nos Jardins de São Paulo, está dominada pelo cheiro que sai da cozinha, envidraçada. "É um cozido de crustáceos", mostra Laurent Suaudeau, em sua escola. Esse era o tema da aula que foi finalizada algumas horas antes de o chef receber o UOL Comidas e Bebidas para uma conversa.

Desde 2005, Laurent não vive a rotina de um restaurante. Atualmente, dedica-se a ensinar técnicas culinárias, além de dar palestras e consultorias. "Sinto falta, mas não pretendo voltar a essa vida. No momento, de forma alguma."

Francês radicado no Brasil, ele chegou ao Rio de Janeiro com 23 anos, em 1980, para chefiar a cozinha do Le Saint-Honoré, no hotel Méridien, a convite de Paul Bocuse. É considerado um dos responsáveis pelo reconhecimento de cozinha de autor no Brasil.

A seguir, veja os principais trechos da entrevista.

Decoração de pratos
Gosto de usar o produto ressaltando a sua coloração natural. Na cozinha, tudo é onda. Na década de 60, era a salsa picada. Depois veio a "ciboulette", e agora estamos nas florzinhas. Não sou contra. Ervas e flores, a partir do momento em que fazem parte de uma composição fria, não vejo nenhum problema. Cozinha, para mim, deve focar no gosto, ser saborosa. Prefiro valorizar o gustativo ao visual. Prefiro usar um champignon na sua melhor época -quando estará mais bonito, de forma adequada e que tenha a ver com a composição do prato- a simplesmente uma erva para decorar.

Volta à cozinha de um restaurante
Há vezes em que sinto falta do momento da adrenalina. Toda a nossa profissão é baseada em um conceito de "timing", o momento da execução e de tudo estar pronto na hora certa. Há um lado militar para quem está no comando disso. Envolver uma equipe num processo de perfeição, execução, atuação e postura é muito gostoso. E, sim, isso me faz falta. Mas é preciso disposição, e eu diria que a profissão de um chef de cozinha -li isso outro dia- está fixada em duas décadas. Ou seja, a bela idade de um chef está entre 30 e 50 anos.

Qualidade de serviço
Para eu voltar ao mercado, eu teria que acreditar nele, o que não é o caso. Acho que deixamos passar a bola. Por que estou falando isso? Está faltando uma implantação hoteleira de peso. Nós não temos hotéis de bandeira forte o suficiente no país. Falta essa força de serviço de altíssima qualidade que, a princípio, é a hotelaria que melhor traz. Ela tem um know how administrativo, um processo de logística e administração de trabalho. Mas é preciso ter um mercado disposto a pagar, e o mercado brasileiro de hoje em dia não tem isso. A qualidade de serviço no Brasil não está melhor do que em 1980, quando eu cheguei.

Restaurante de hotel
No exterior, o cliente frequenta um restaurante de hotel, que consegue manter os altos custos de um estabelecimento de grande nível. Aqui, ainda há um preconceito. Há algumas exceções, obviamente, de nomes mais fortes que o próprio hotel, no caso do Fasano, por exemplo. As pessoas vão lá para comer no Fasano. Mas montar um restaurante de alta gastronomia em um hotel sem ter esse link com a sociedade local, eu acho ainda complicado.

O 'boom' da gastronomia
Estava falando sobre isso com os rapazes aqui da cozinha hoje, na hora do almoço. Há um lado muito positivo. Eu, por exemplo, fui chef com 20 e poucos anos, e o momento era outro. A competência na cozinha era concentrada em poucos países, principalmente na França. A profissão teve uma abertura para o mundo e o conhecimento se diluiu, o que é muito bom. Hoje há uma variedade de gente competente independente de sua nacionalidade, raça ou cor.

Por outro lado, diria que houve, não uma vulgarização, mas um nivelamento por baixo no conceito da formação. Há menos exigência hoje em dia. E obviamente o resultado é uma cozinha um pouco mais aleatória. Mas, no geral, essa mudança é muito boa. Só temos que reacertar os eixos agora. Postura, disciplina. Talvez menos marketing e mais qualidade de serviço. É um processo.

O 'boom' dos chefs
No Brasil, a partir de 1986, 1987 é que começou a aparecer a cozinha de autor. Antes disso, era o restaurante. Não se falava de chef de cozinha.

Escola Laurent
Nossa formação aqui não é completa, as aulas são por módulos. É uma assimilação de conhecimento para pessoas que já estão no mercado e querem se aprimorar. A formação que existe aqui, mesmo, de quem começa lá de baixo e sai um cozinheiro, é com os meus funcionários, que chegam com idades entre 19 e 23 anos. Trabalho com eles por um período de cerca de dois anos. Há quem comece na pia, inclusive. Falo para eles: quando vocês saírem daqui precisam pensar como dirigir a carreira. O mercado atual é enorme e nem precisa ficar restrito ao Brasil.

Imagina na Copa
Não adianta bater cabeça com as autoridades, eles nunca entenderam o que representa esse setor. Mas tenho certeza que irão entender durante a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, que vão chacoalhar o coqueiro. Estou me referindo às atividades paralelas aos jogos, à prestação de serviço. Aparentemente, acho que teremos problemas sérios. Não estou torcendo para isso, tá? Gostaria que acontecesse da melhor forma possível. Mas acho que será um grande despertador dizendo: olha, precisa melhorar e muito.