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Restaurantes 'emprestam' pratos de casas estreladas e popularizam receitas

Rafael Mosna

Do UOL, em Madri e São Paulo

21/03/2014 19h43

Um recém-aberto restaurante em Madri não é contemplado com estrelas no guia "Michelin", mas reúne pratos que fazem parte ou foram concebidos por chefs muito bem avaliados ou citados nos famosos rankings gastronômicos por preços bem mais em conta, que começam em € 6 (R$ 20).

No La Moraga, é possível, por exemplo, provar um prato de David Muñoz (do madrilenho DiverXo, com três estrelas "Michelin"). Tratam-se dos "mexilhões tigres", servidos em um caldo picante à base de tomate com espuma de molho béchamel.

Outra opção são as bolsas de queijo com coulis (suco concentrado) de morango e purê de batata, mostrado no cardápio como originário do restaurante Atrio (duas estrelas "Michelin").

O cliente também pode terminar a refeição com uma sobremesa de Jordi Roca, do catalão El Celler de Can Roca, considerado o melhor restaurante do mundo pela revista inglesa "Restaurant". Chamada latic, ela leva doce de leite, espuma de coalhada, sorvete de queijo de ovelha e algodão doce.

Emprestado não é roubado
No Brasil, prática semelhante é feita pelo Emprestado Restaurante, que fechou suas portas na Vila Madalena (zona oeste de São Paulo) em 2011, mas continua suas atividades em Santana de Parnaíba, a 40 km da capital paulista. A casa aplica a mesma filosofia de oferecer pratos de outros chefs em seu menu -com a devida autorização dos autores originais. Há alternativas provenientes de Belém (PA), Porto de Galinhas (PE), Paraty (RJ) e Garibaldi (RS), entre outros.

Famoso pelos dadinhos de tapioca, o chef Rodrigo Oliveira, do paulistano Mocotó, já viu sua criação parar em diferentes cantos do país. "Quando vejo a reprodução de uma de nossas receitas ou do nosso modelo de negócio, entendo como uma homenagem, mesmo quando não são dados os créditos", diz.

"No caso dos dadinhos, o mérito maior da receita está na sua simplicidade. É fácil de ser reproduzida em qualquer contexto e é base para muitas variações. É assim que nascem os novos clássicos. Temos realmente muito orgulho de ver esse prato sendo servido em cardápios de Norte a Sul", garante.

Não são só os quadradinhos dourados que fazem sucesso na cozinha alheia. Os brigadeiros "à la Juliana Motter", do ateliê Maria Brigadeiro, por exemplo, geraram uma legião de fãs e uma série de concorrentes com o mesmo espírito gourmet.

Um caso clássico é o do extinto Bambi, que ocupou um imóvel na alameda Santos (zona oeste de São Paulo) de 1951 a 2001 e no bairro do Itaim de 2009 a 2012. O restaurante ficou famoso pela sua sobremesa Chocolamour. O doce, feito com sorvete de chocolate, chantilly e calda quente de chocolate amargo, também levava uma farofa doce crocante cuja receita era mantida a sete chaves e tida como a responsável por seu sucesso.

A fórmula, porém, se multiplicou: o Bambi registrou o Chocolamour e várias casas que serviam o doce tiveram de alterar o nome. Algumas foram processadas, outras indiciadas e a casa acabou perdendo o direito do uso. Hoje, ela é encontrada em vários estabelecimentos Brasil afora.

No bufê Arroz de Festa, a chef Adriana Cymes criou uma versão para homenagear suas memórias de infância. "Minha mãe ia ao Bambi quando ele ainda funcionava na alameda Santos só para comer o Chocolamour", diz. "Quando o restaurante fechou, o sorvete apareceu em vários lugares com outros nomes. Como ele é um ícone para mim, mantivemos o mesmo nome." 

Diferentemente do Chocolamour original, a versão do Arroz de Festa não leva chantilly nem calda quente. "Como servimos em eventos, a calda iria acabar derretendo o sorvete", explica a chef, que acredita que boas receitas acabam se espalhando como referências. "É como a Caesar Salad ou o carpaccio, que foram criados em um local específico e acabaram se expandindo. Uma boa ideia não tem como não ser copiada." 

Quem colocou o feijão no petisco primeiro?
O bolinho de feijoada fez a fama do Aconchego Carioca, no Rio, e é considerado hoje o seu carro-chefe. A chef Katia Barbosa, que testou várias receitas antes de chegar à fórmula atual, diz que a ideia do petisco surgiu de um prato feito por sua avó para persuadi-la a comer uma mistura de feijão e farinha (só depois a couve entrou na jogada).

Os chefs Carlos Ribeiro (do paulistano Na Cozinha) e Tereza Paim (do Casa de Tereza, em Salvador) fazem um bolinho similar, chamado Negão. "Mas cada um de nós tem a sua receita", explica Tereza. Carlos conta que prepara o quitute desde 2009. "Meu 'segredo' é a farinha de mandioca, que uso para empanar", diz.

Os três chefs, que são amigos, viram o tira-gosto se espalhar por botecos e restaurantes. "O legal é isso. Pode-se refazer, colocar o mesmo nome... Só que tem gente que usa até a mesma foto", brinca Carlos.

E você? O que acha de restaurantes que criam versões de pratos famosos de outros estabelecimentos? Deixe seu comentário abaixo.