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Conheça os segredos do Pessach, a Páscoa judaica

Anna Fagundes

Do UOL, em São Paulo

14/04/2014 07h00

Nada de ovos de chocolate ou coelhinhos – e nada de fermento, também. O Pessach, a Páscoa judaica, celebra a travessia do povo hebreu pelo deserto fugindo do Egito com um ritual detalhado e solene ao redor da mesa de jantar.

O feriado, celebrado a partir desta segunda-feira (14) até o dia 22/4, tem com ponto central uma refeição ritual chamada ‘seder’ (“ordem”, em hebraico), onde a família se reúne para relembrar a história do Êxodo, a fuga dos judeus do Egito liderados por Moisés em busca da Terra Prometida.

“Esse jantar é o único especificamente ordenado pela Torá (texto central do judaísmo)”, explica Breno Lerner, estudioso da culinária hebraica e palestrante do Centro da Cultura Judaica, em São Paulo. “É uma refeição didática e pode durar de uma a cinco horas, dependendo de quão profunda for a discussão”.

Um dos símbolos da data é o matzá, ou pão ázimo, servido durante a semana do feriado. Conta a história que, durante a fuga do Egito, os hebreus não tiveram tempo para esperar o pão fermentar e crescer. Por isso, tudo o que leva fermento ou farinha é retirado das casas antes do jantar de Pessach em um ritual específico.

“O que está na Torá é que não se pode consumir trigo, centeio, cevada, aveia e espelta, que são mencionados especificamente”, explica Lerner. “Atualmente, isso equivale a não consumir nada que possa fermentar”, completa.

Há divisões de costumes, no entanto: os judeus asquenazim, do norte da Europa, incluem na lista coisas como arroz e outros tipos de grãos, enquanto os sefaradi, de origem ibérica, separam somente os cinco grãos mencionados no texto sagrado.

Como mamãe fazia
Além dos alimentos rituais, um jantar especial faz parte do 'seder'. E, por conta da restrição ao uso de farinha, fermento e grãos, os chefs que trabalham com pratos por encomenda precisam de bastante jogo de cintura para preparar a refeição. 

"É desafiador, porque quando você substitui um ingrediente, você perde um pouco a qualidade”, explica Beto Tempel, da delicatessen Lox Deli. “Além disso, tem que fazer muita coisa sem leite, porque quem segue a dieta kosher não mistura carne com laticínios”.

Para driblar essa barreira, Tempel criou coisas como brownies com farinha de matzá para servir na festa. "É algo que conheço bem, são as receitas da minha família e das famílias com as quais convivi", diz o chef.

Mas assim como a Páscoa católica é associada com bacalhau e ovos de chocolate, o Pessach também tem seus pratos típicos, que lembram os que a mãe ou a avó preparavam em casa. Caldo de galinha com “kneidel” ou "kneidlech" (bolinhas de matzá), por exemplo, é item obrigatório para muitos. “Recebemos muitos pedidos, mas a busca é sempre pelos pratos mais tradicionais, como o caldo de frango, cordeiro e vitela”, explica David Deutsch, um dos sócios da RED Boutique Gourmet, em São Paulo.

Breno Lerner concorda. “O caldo é um clássico, não tem festa em que não apareça. E a mãe judia acredita que ele cura qualquer mal, tanto que seu apelido é ‘penicilina judaica’”, diz. Outros pratos tradicionais são o gefilte fish (bolinho de peixe) e compotas de frutas secas.

Os passos do seder
Na primeira e segunda noite do feriado, a família se reúne para saborear os alimentos tradicionais da festa, que também contam a história do Êxodo. Em um prato especial, chamado keará, são dispostos seis ingredientes: um ovo cozido ("beitissá"), um osso (de carneiro ou frango) ou ainda um pescoço de frango queimado no fogo ("zeroá"), uma massa feita com nozes, maçã e vinho ("charôsset"), um ramo de salsão ou ainda batatas ou cebolas ("karpás") e ervas amargas, como escarola ou endívia ("marôr" e "chazêret").

“No judaísmo, todos os alimentos circulares, como os ovos, são usados para representar o ciclo da vida”, explica Breno. “No 'seder', o ovo é um símbolo do luto, para lembrar da destruição do Templo de Jerusalém”. O “zeroá” marca o sacrifício pascal que não pode mais ser feito e também simboliza como Deus conduziu o povo pelo deserto com seu braço estendido - a palavra "zeroá", em hebraico, quer dizer antebraço.

O “karpás” é mergulhado em uma tigela de água salgada, representando as lágrimas do povo, enquanto as ervas amargas formam um "sanduíche" para exemplificar o gosto ruim da escravidão.

Já o "charôsset", apesar de saboroso, precisa ter aparência de argamassa. Breno Lerner explica que a iguaria deve lembrar o barro com a qual os escravos trabalhavam. "Deve ter umas 800 receitas para "charôsset", mas ela precisa mesmo parecer com a lama do rio Nilo", diz o pesquisador.

Tradicionalmente, a “sobremesa” do jantar é um pedaço de matzá reservado para a ocasião. Ele é escondido na casa para que as crianças da família o encontrem e, assim, encerrem o evento.

Ao todo, são quinze passos como estes, seguidos à risca e envolvendo todas as gerações: a pessoa mais nova à mesa, por exemplo, faz as perguntas sobre a razão do Pessach durante o ritual. “O segredo do sucesso do ‘seder’ é que ele é feito em casa, com a família”, explica Breno. “É um rito que é compartilhado por judeus de todo o mundo”.