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Restaurante de uma mesa só em Barcelona quer criar experiências individuais

Restaurante Mercès One, em Barcelona (Espanha) - Divulgação
Restaurante Mercès One, em Barcelona (Espanha) Imagem: Divulgação

Mariana Pasini

Do UOL, em Barcelona (Espanha)

30/04/2014 07h00

Num primeiro momento, o Mercès One pode parecer outro restaurante qualquer. Mas se você tentar entrar no ambiente localizado nos números 539 e 541 da movimentada Avenida Diagonal, em Barcelona (Espanha), sem horário marcado, pode não conseguir comer lá. A razão para isso é que o empreendimento, com quarenta metros quadrados, funciona diariamente dedicado a um único grupo de clientes por vez: é um restaurante de uma mesa só, no máximo duas.

Quem topar – e conseguir – estar dentro desse conjunto de pessoas terá um espaço completamente destinado para seu grupo, que abriga até 30 comensais – 22 deles numa única mesa. Também ficam 100% a serviço deles o chef, Antonio Cornejo, e dois ou três garçons, dependendo do número de pessoas a ser atendido. Às noites, aos fins de semana e feriados, é preciso fazer reserva prévia, que pode chegar a uma semana de espera. A ideia por trás do negócio, traduzida em seu slogan, é promover 365 experiências gastronômicas únicas ao ano – 730 se você contar o almoço mais o jantar.

Um dos diferenciais do Mercès One é que a liberdade de escolha do cliente extrapola o menu e chega até a decoração do local: é possível escolher as cadeiras, os pratos, talheres, a toalha e até a música ambiente. O freguês também escolhe como vai comer: pode-se escolher itens de um cardápio ou degustar um menu fechado a 60 euros por pessoa (cerca de R$ 185) com vinho incluído. É possível também conversar com o chef e a proprietária para elaborar outros menus com preços diferentes.

Como se fosse em casa
Os pratos são focados na gastronomia mediterrânea atual, como moluscos com ravióli de batata e bacon ou linguado com ervilhas. No cardápio fechado, com escolha à la carte, as entradas vão de 18 a 25 euros (de R$ 56 a R$ 77), e os pratos principais, de 19 a 33 euros (de R$ 59 a R$ 102). “Sugerimos pratos do cardápio ou menus fechados, mas obviamente são os fregueses que decidem 100% o que querem comer”, explica Cornejo. “Inclusive, antes podemos acordar um tipo de menu com alguns ingredientes ou pratos determinados e se faz ao gosto do cliente.”


A empresa abriu em princípios dos anos 1990 e funcionava até março de 2014 apenas como um bufê para eventos, além de uma loja delicatessen de produtos gourmet. “Agora optamos por essa nova fórmula, um conceito atual do qual as pessoas gostam muito, que é poder estar na intimidade comendo com quem você gosta, com pratos excelentes”, conta Dolors Miró, gerente do local. Alguns clientes contavam para a proprietária, Mercè Solernou, que em certas ocasiões era necessário estar a só, como na sala de jantar da sua própria casa, sem ser ouvido ou visto por ninguém, mas sem esquecer de uma comida e um serviço de qualidade.

A recepção do público tem sido positiva, segundo Miró, e o tempo de espera médio pode chegar a uma semana, mas o cliente também pode “dar sorte” e escolher um horário sem reserva na mesma semana em que entrar em contato com a equipe do Mercès One.

Exemplo brasileiro
A ideia para um restaurante tão reservado, porém, não é exclusiva da Espanha. Em terras tupiniquins, O Leão Vermelho, em São João da Boa Vista (SP), já soma dois anos e quatro meses de vida. O idealizador do projeto, Gabriel Vidolin, só não gosta muito de chamá-lo de restaurante.

“O Leão Vermelho, apelidado de restaurante pela crítica, é na verdade uma performance minha”, diz ele, citando a obra “The Artist is Present”, da sérvia Marina Abramovic, como inspiração. Em 2010, a artista participou de uma retrospectiva de sua obra no MoMA (Museum of Modern Art), em Nova York, com uma performance na qual compartilhava alguns minutos de silêncio com pessoas do público.

Vidolin explica que sua ideia com O Leão é compartilhar seu universo particular. “É difícil as pessoas entenderem e é por isso que chamamos nossos espectadores de comensais: n’O Leão não há clientes, há comensais, que participam da obra. Eu preciso deles exatamente da mesma maneira que eu necessito de ar para viver.”

O Leão fica fechado, geralmente, de dezembro a agosto, enquanto renovam o cardápio a ser servido, sempre inspirado por sentimentos e impressões de Gabriel. O valor fixo é de R$ 365 por comensal. Durante a experiência, não é permitido o consumo de bebidas alcoólicas e só na hora em que a comida chega à mesa é que se sabe o que se vai comer. O endereço nunca é revelado aos clientes até alguns dias antes do dia da reserva e não há imagens de divulgação do espaço.

“Quando a temporada abre, normalmente as reservas se esgotam em um mês. Porém, como elas são gestionadas com bastante antecedência, há desistências e a espera pode levar de seis a oito semanas”, diz Gabriel. A lotação máxima é de quatro pessoas e Vidolin trabalha sozinho, com algumas visitas de sua ex-professora de francês, que o ajuda na parte burocrática e de reservas.

O chef não esconde que um negócio tão inovador tem-se revelado um desafio, mas pensa que “quando tem-se algo tão preciso nas mãos, é importante entender duas coisas: que vivenciar é mais importante do que ter e os valores são relativos”. “Eu estou feliz, mesmo com as dificuldades”, completa.