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Restaurantes investem em preparar (quase) tudo o que servem

Roberta Malta

Do UOL, em São Paulo

02/06/2014 09h16

Durante os anos em que trabalhou em restaurantes, Beto Tempel, da paulistana Lox Deli, era quem fazia pedidos de alguns produtos industrializados, toda semana. Em casa, porém,  começou a diminuir o uso desses itens e preparando, ele mesmo, tudo o que consumia.

Quando decidiu abrir a casa que comanda hoje, percebeu que nenhum bagel da cidade era tão bom quanto os que comida nos Estados Unidos. Insatisfeito com a qualidade encontrada, resolveu estudar e fazer o próprio pão que rechearia com salmão defumado. Aí, achou de bom tom preparar o peixe também. Fez o mesmo com o pastrami, os molhos, as geleias. E criou o conceito da deli: tudo seria produzido ali.

Como ele, outros chefs estão investindo no que está apontando no cenário gastronômico como uma tendência. Do ingrediente ao produto final, a ideia é dominar todo o processo de preparo dos produtos e determinar o sabor exato que cada profissional quer para determinado item –coisa que não conseguiriam se comprassem maioneses ou iogurtes industrializados.

“Quando decidi fazer sanduíches, notei que o que me diferenciaria dos outros seria fazer meu próprio molho, os pães e tudo o que compõe esse prato”, diz Pablo Muniz, do Tigre Cego, em São Paulo. A clientela aprovou e cobram do chef embalagens especiais para levar os produtos para casa. Seu catchup é feito com mel orgânico, e o molho barbecue, com pimenta jalapeño. “O interessante é que consigo controlar a picância, a doçura e equilibrar tudo para conseguir o sabor que imaginei para cada sanduíche”, diz Pablo.

Lucro relativo
Longe de ser um projeto lucrativo em curto prazo, quem produz tudo o que serve precisa de muito mais gente na cozinha do que os restaurantes comuns. “Minha ideia é aumentar o tamanho do negócio”, afirma Richard Turner, da também paulistana Deliqatê. “Essa é uma aposta em longo prazo. Ter um restaurante só nesses moldes não vale a pena, mas com dois ou três a coisa começa a ser lucrativa.” Isso porque ele pode concentrar toda a produção em uma cozinha só e abastecer as outras casas sem ter que dobrar ou triplicar o número de funcionários.

Richard é outro que abusa do direito de ser autoral. Serve manteiga de maçã, adiciona tomilho na geleia de framboesa, usa um mel francês na preparação de seu doce de leite. Isso sem falar no bacon que agrada até aos mais exigentes. “Esses dias, recebi um americano que disse que o meu bacon era o melhor que ele já tinha comido na vida”, conta, orgulhoso.

Saúde no prato
Ainda que o princípio dos restaurantes que estão trabalhando dessa forma não seja especificamente servir uma comida saudável, naturalmente isso acontece. “As pessoas estão mesmo interessadas nisso”, afirma Richard. A julgar pelo movimento dessas casas, o público confirma estar satisfeito em juntar sabor e saúde.

“Meus produtos não têm conservantes”, diz o chef da Lox Deli. “Só uso açúcar mascavo e muita coisa integral.” Longe de ser o carro-chef da casa, mais voltada para sanduíches e massas frescas, sua granola já virou hit. “Metade dela é só de castanhas, diferente das que encontramos no mercado que levam 80% de aveia”, afirma.

O preço final, evidentemente, é mais salgado –cada quilo sai por R$ 80; as granolas comuns custam até R$ 25. Mas a clientela parece estar mais ligada na qualidade do que no preço. “Vendo 30 quilos por mês”, contabiliza.

Tendência geral
Mesmo os chefs que não se caracterizam pelo conceito de fazer absolutamente tudo (ou quase) que servem concordam que o melhor é produzir o maior número de gêneros possível. “É uma tendência para o mercado em geral”, diz Beto. “De um lado, os restaurantes buscam personalidade. De outro, os clientes estão, cada vez mais, atrás disso.”

Dagoberto Torres, do Suri, em São Paulo, concorda. “Para a gente, essa é uma situação perfeita”, diz. Mas como não consegue produzir tudo o que serve em sua cozinha de dois metros por cinco metros, encontrou nas parcerias a solução para garantir itens artesanais, totalmente avalizados por ele, para o seu público.

“Os chips [de inhame, banana e mandioquinha] que sirvo são feitos no Sabores de Mi Tierra, onde eu tenho total entrada. As sobremesas, na Doce de Laura”. Assim, consegue, segundo ele, afiançar a qualidade que espera e todo mundo fica feliz. “Eles garantem a venda e eu o sabor que quero para meus insumos.”

Afinal, ninguém duvida que uma comidinha artesanal é bem mais gostosa do que uma cheia de produtos químicos.