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Fígado, dobradinha e risoto: chefs revelam pratos maternos que eles odiavam

Fernanda Meneguetti

Do UOL, em São Paulo

06/05/2015 16h43

Todo grande chef afirma: a única concorrência imbatível é comida de mãe. Aquela que não depende de fórmulas exatas, sim de imensurável amor. Mas, bem, nem só de carinhos são marcadas as memórias afetivas... Hoje um dos pratos preferidos da chef pâtissière Julice Vaz, da Julice Boulangère, é gaspacho, a sopinha fria espanhola à base de tomates. “Na minha infância, eu não comia nada que tivesse tomate, nada. Nem molho de macarrão. Para ajudar, minha mãe fazia uma sopa de tomate frio que eu odiava. Por ironia do destino, hoje sou apaixonada por gaspacho”, comenta.

Já o chef Eraldo Machado, do Deck 484, é fã de creme de cogumelos. Nem sempre foi assim: “Quando era criança, minha mãe fazia com champignon em conserva e o sabor não ficava dos melhores. Quando descobri a versão com cogumelos frescos, me apaixonei. Faço sempre e tenho até no menu”.

Mangia che te fa benne
As mamas italianas são famosas pelas massas, assados e risotos em porções fartas dispostas em mesas cheias com pratos igualmente repletos. E ai de quem recusar alguma receita! O sardenho Salvatore Loi, do Loi Ristorantino, é uma das provas. Ele lembra que criança implicava com a “pasta e fagioli, uma sopa de feijão com macarrãozinho e lardo (espécie de bacon italiano). O tempero era bom, mas a textura do lardo que amolecia no caldo era horrível. E não tinha conversa: eu tinha que comer”.

Manual do risoto - Getty - Getty
Risoto mal preparado já foi trauma - superado - de chef
Imagem: Getty

O piemontês Moreno Colosimo, do Piselli, por sua vez, não gostava de risoto. Mas seu pai adorava. Adorava tanto que, para agradá-lo, sua mãe repetia o prato diversas vezes na mesma semana. “Ela sempre deixava o arroz cozinhar um pouco demais da conta, era ruim. O pior era o de favas e pecorino”, confessa o chef. Mais tarde, estudando gastronomia, ele aprendeu o prato tecnicamente e passou a ser um entusiasta da receita: “Hoje eu é que comeria várias vezes por semana. O de funghi porcini, que meu pai colhe os nas montanhas da Itália, eu comeria todo dia”.

Verdes do mal
Chef da rede de casa de carnes Corrientes 348, Luiz Gustavo Chagas tentava fugir de alface: “Mamãe me fazia comer salada. Nas ocasiões em que não conseguia fugir, colocava maionese para tirar o gosto ruim daquele mato sem textura”. Já o chef Juliano Valese, do Torero Valese, sofria com jiló e quiabo. “Como eu odiava isso! Eu e minha irmã escondíamos 90% em baixo da mesa e recolhíamos antes do jantar terminar para que nossa mãe não percebesse. Como éramos obrigados a comer tudo que ela fazia esse era o único jeito de nos livrarmos. Porém, um belo dia, ela descobriu e nos fez comer uma panela cheia de jiló”.

É de pequeno que se torce o pepino?
Não é porque a pessoa se tornou cozinheira que sempre comeu de tudo. Mais: nem é por isso que ela gosta de tudo. Há traumas e sabores insuperáveis. “Minha mãe vivia preparando torta de aliche e ainda me pedia para ajudar limpando e tirando a espinha”, conta o chef João de Lima, do Aguzzo, que tem “horror” do peixinho: “No ano passado fui à Sicilia e tive que provar vários pratos com o peixe, um sufoco! Não consegui incorporar nada ao menu do restaurante”.

Fígado Acebolado - Getty Images - Getty Images
Figado Acebolado: até hoje muito chef não consegue comer
Imagem: Getty Images

O chef Pedro Benoliel, do Buffet Monique Benoliel, não come dobradinha. Quando era criança, sua mãe – e também chef – Monique Benoliel preparava o prato em casa com certa frequência. Pedro é enfático. “Quando tinha dobradinha eu não comia. Preferia ficar com fome ”, conta. Alguns alimentos, porém, ganharam o cozinheiro na idade adulta, caso da cenoura, do espinafre e do fígado.

Falando em fígado, ele permanece assombrando alguns chefs, como o padeiro Felipe Abrahão, da Benjamin Abrahão,  “Até hoje não como de nenhuma maneira. Como eu era magrinho, minha mãe insistia toda semana, dizendo que eu precisava das vitaminas e do ferro. Eu mastigava por minutos e, quando alguém virava, jogava no guardanapo”.

Adriano Kanashiro, do Momotaro e do Kappa & Kanashiro, era outra vítima do fígado "saudável e com muito ferro" acebolado, tanto que hoje, de todos os miúdos é o único de que não faz questão nenhuma.