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Melhor bartender do México conta como driblou machismo para criar drinques

A bartender mexicana Mafer Tejada - Waldemir Filetti/Divulgação
A bartender mexicana Mafer Tejada Imagem: Waldemir Filetti/Divulgação

Larissa Januário

Colaboração para o UOL, em São Paulo

26/08/2016 17h26

Com apenas 26 anos, a bartender mexicana Maria Fernanda Tejada Zuzuarregui, a Mafer, é uma jovem doce e moderninha com cabelos descoloridos. Sua personalidade leve não deixa transparecer o peso do título de melhor bartender do México que carrega no currículo. Ela representou o país em 2015 na World Class, competição anual que é considerada a Copa do Mundo dos mixologistas - nada mal para quem tem apenas cinco anos de carreira atrás do balcão.

Para uma jovem vinda de uma conservadora família latina, escolher uma profissão nada convencional e predominantemente masculina exige bem mais que talento. Foi com muita determinação, estudo e dedicação que Mafer ganhou o mundo em bares renomados de Londres, Paris e Budapeste e vem conquistando não só o seu espaço, mas o de todas as mulheres que ela representa, no universo na coquetelaria, ambiente tradicionalmente masculino.

 

Como foi o começo da sua vida como bartender?
Eu comecei com 20 anos como garçonete. Meus pais não gostaram nem um pouco. Na época eu estudava arquitetura e larguei para trabalhar na noite. Venho de uma família muito tradicional que sempre trabalhou na construção civil, meu pai é engenheiro, meus irmãos todos se dedicam a essa mesma área. Eu virei a a ovelha negra (risos).

E como foi essa transição de trabalhar na noite?
Tudo mudou na minha vida. A questão do horário de trabalho fez com que eu perdesse contato com quase todo mundo que eu conhecia. Trabalhava das 17h às 5h, dormia durante o dia. Era tudo diferente.

Você pensou em desistir?
Sim. Era muito trabalho e pouco dinheiro. E depois de três anos trabalhando nesse ritmo, eu tive pancreatite. Eu dormia pouco, me alimentava mal e tinha provar muitos drinques. Fiquei internada, mal mesmo. Foi nesse momento que parei para pensar se estava mesmo fazendo a coisa certa. Foi quando decidi sair do México e fui para Paris.

E como foi essa viagem?
A viagem mudou tudo. Além de Paris, fui a Berlim e Budapeste. Conheci muita gente, que me abriu portas e me conseguiu trabalho. Foi na Europa que descobri que a profissão de bartender é importante e muito respeitada. E tive certeza que era isso que eu queria fazer da minha vida.

E o que mudou na sua volta para o México?
Na volta consegui trabalho em um dos melhores bares da Cidade do México: o Limantour, que até antes da minha viagem não contratava mulheres para o bar. Eu fui a segunda mulher a ser contratada na casa. Isso foi um divisor de águas na minha carreira porque esse bar é um lugar mítico na cena da mexicana, foi ele que levou a coquetelaria ao país. 

Bombay O'Clock - Waldemir Filetti/Divulgação - Waldemir Filetti/Divulgação
Bombay O'Clock, com gim e chá inglês, é uma das criações de Mafer Tejada
Imagem: Waldemir Filetti/Divulgação

Foi difícil conseguir o emprego?
Eu passei por uma entrevista muito técnica e fui contratada como assistente de bar. Fazia serviços básicos como preparar as frutas e xaropes para os coquetéis e carregar gelo, muito gelo. Aliás, era muito difícil essa parte. A maioria dos rapazes consegue levar dois sacos de gelo nas costas. Para uma pessoa do meu tamanho, isso era muito difícil - eu sofria (risos)!

O fato de ser mulher pesou nessa hora?
Sim, literalmente (risos). Não só no lado da força física. As pessoas não estavam acostumadas a ver uma mulher fazendo seus coquetéis do outro lado do balcão, eu não era levada a sério. Isso me custou muito trabalho, mas acho que aos poucos estamos evoluindo nessa questão de igualdade na área.

Vencer um campeonato como o World Class deve ajudar a derrubar esses preconceitos. Como é ser a primeira mulher no México a levar a esse prêmio?
Na verdade, foi algo inesperado. Eu sou nova no meio e achava que isso estava fora do meu alcance, já que a maioria dos vencedores são bartenders famosos. É algo que eu nunca imaginei, porque todo o meu esforço valeu a pena. Sinto-me feliz, orgulhosa de mim e especialmente grata pela oportunidade de ser um exemplo para todas as meninas que estão atrás de um bar fazendo coquetéis.

De onde vem sua inspiração para criar receitas?
Para mim tudo serve de inspiração para um drinque, uma obra de arte, um ingredientes, uma paisagem e até uma pessoa ou um momento.

O que você deixaria como dica para quem quer fazer seus coquetéis? O que não se deve fazer nunca?
Não existe regras muito rígidas na coquetelaria. A melhor bebida é aquela que você gosta de beber o que agrada ao seu paladar. Para mim, o drinque tem que contar uma história, não importa o tipo de ingrediente usado. Mas se for para dar uma dica acredito que o principal seja o equilíbrio, devemos sempre buscar o equilíbrio entre as combinações. No mais, acho que o importante é se divertir.