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Paratleta cega é vaidosa e ama estar bonita: "não sou menos do que ninguém"

Patrícia Colombo

Do UOL, em São Paulo

12/01/2017 13h04

Em uma sociedade contemporânea que ainda insiste no argumento da competição entre mulheres, a história de melhora da autoestima de Regiane Nunes Silva ajuda a esmagar a falácia que é essa forma de pensar. Foi a partir dos elogios de amigas que a paratleta cega encontrou forças para reconectar seu gosto por moda e beleza após perder a visão aos 29 anos, em 2013. “Elas falavam sobre minhas roupas, os sapatos”, comenta, em entrevista ao UOL. “Ficavam surpresas por eu mesma ter escolhido o que estava usando. Isso foi me motivando a ir sempre arrumada. Não me sinto menos bonita ou menos favorecida por causa da minha condição como mulher cega.”

O glaucoma e a natação
Nascida em 1984 com glaucoma congênito (doença degenerativa e hereditária que causa aumento da pressão intraocular em crianças portadoras de má formação nos olhos), Regiane começou a usar óculos com lentes “fundo de garrafa” aos três anos de idade.

"Fiz várias cirurgias e tratamentos e, com o tempo, meu percentual de visão foi diminuindo”, explica. “Eu me lembro de como enxergava na infância, adolescência e na fase adulta.” Além do glaucoma, ela também tinha um grau de miopia alto. “Enxergava muito embaçado sem os óculos e o glaucoma não permitia que eu tivesse campo visual, fazendo com que eu enxergasse como se estivesse vendo o mundo através de um binóculo.”

Ao entrar em contato com um projeto de inclusão social aos 15 anos, descobriu a natação, realizando atividades com outras pessoas portadoras de necessidades especiais. Por causa da prática, matriculou-se na faculdade de Educação Física e trabalhou por um ano como educadora em uma academia em Ribeirão Pires, onde mora.

Por causa dos Jogos Paralímpicos de Pequim, em 2008, precisou sair do emprego. Quatro anos depois, também marcou presença nas competições em Londres. Ainda que a natação fosse sua grande paixão, em ambas as ocasiões competiu no remo. Tudo porque antes da perda total da visão, não conseguia bons índices nadando na classe S12, para atletas com baixa visão. E aí, na condição a partir de 2013, passou a competir na S11, que conta apenas com nadadores cegos.

Reviravolta
Desde criança, os pais de Regiane sempre jogaram limpo sobre a possibilidade da perda da visão -- apenas não se sabia quando. “A maioria das pessoas que nasce com glaucoma não chega aos 25 anos enxergando”, conta. “Mas não deixou de ser um susto para mim. Não consigo nem descrever o que senti quando constatei a perda de visão.”

Tudo aconteceu em 9 de julho de 2013. Na época, o médico disse que uma operação poderia reverter a condição. O pós-operatório contou com 27 dias em que ela precisou dormir sentada e realizar pouquíssimos movimentos. Na época, estava acontecendo o mundial de natação em Montreal, no Canadá, e Regiane acompanhava pelo áudio da TV e por comentários de sua mãe.

“Pedi para que meu irmão pesquisasse na internet o quanto eu precisaria para ser uma boa nadadora cega. Eu estava criando uma estratégia para me motivar porque eu não sabia de mais nada da minha vida”, explica. “E aí coloquei a meta de voltar a nadar e participar do próximo campeonato que tivesse. Fiquei de julho até dezembro daquele ano parada. Quando o médico me liberou para entrar na água, senti a liberdade e o movimento do meu corpo. Foi o que me deu força.”

O objetivo foi concretizado com sua classificação para os Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, ficando em 10º lugar nos 400 metros livre.

Autoestima
A recuperação foi aos poucos e com a ajuda dos mais queridos. A família estava sempre a postos, as amigas deram aquela força e o namorado de cinco anos mandou ela catar coquinho quando, em consequência da crise emocional, resolveu terminar a relação.

“Uma mulher cega acaba ficando perdida nessa situação toda, na questão da vaidade. Na época surtei e quis terminar. Ele disse que quando começou a namorar comigo, já sabia que isso poderia acontecer, que eu nunca omiti nada para ele. Que poderíamos terminar por qualquer outra coisa, menos por isso. O engraçado é que hoje ele tem mais ciúmes de mim do que antes (risos).”

Nos cuidados de beleza e moda, considera-se clássica e discreta. A maquiagem é suave e, nos looks, não deixa os acessórios de lado, sente tecidos, pede descrições detalhadas das peças. O UOL visitou a casa da nadadora e mostra, no vídeo acima, como é a rotina de cuidados femininos dela.