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"Vivi na rua por 3 anos e digo: o poço não tem fundo"

Gabriel Flag, produtor musical - Arquivo pessoal
Gabriel Flag, produtor musical Imagem: Arquivo pessoal

Gabriela Guimarães e Marina Oliveira

Colaboração para o UOL

26/02/2017 04h00

Gabriel Bandeira, 27 anos, em depoimento ao UOL

“Quando nasci, meus pais já eram separados. Meu pai foi viver com outra mulher e minha mãe, na época com 20 anos, teve que se virar sozinha para sobreviver e ainda cuidar de um bebê. Meu pai trabalhava, mas nunca pagou pensão. Ele costumava me visitar no Natal e no meu aniversário mas, às vezes, nem nessas datas aparecia. Fui criado pela minha avó paterna até os meus sete anos de idade e vivia muito bem, tinha vários amigos e tirava notas boas na escola.

Minha mãe me visitava quase todos os fins de semana. Então, nessa época, meus pais foram à justiça brigar pela minha guarda. Por ter mais dinheiro, meu pai ganhou. E eu tive que sair de Porto Alegre para morar em Florianópolis, em uma região rural, isolada de tudo e de todos. A escola era nova, as crianças eram novas. Eu ia para o colégio de calça jeans e tênis, enquanto os garotos usavam chinelo e roupas velhas. Eles me batiam todos os dias, só porque eu era diferente.

Não tínhamos telefone e, na época, também não havia internet. Eu enviava cartas para a minha mãe e para a minha avó, mas a minha madrasta escondia as respostas que elas me enviavam – cheguei a pensar que tinha sido abandonado por elas. Depois de um tempo, além de apanhar na escola, passei a apanhar em casa também. Não demorou muito para eu me tornar um adolescente rebelde.

Gabriel Flag antes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Vasculhei o lixo e cheguei a roubar em supermercado 

Passei a não me importar mais com os estudos e as discussões com o meu pai aumentavam dia a dia. A boa lembrança que eu tenho dessa época é que conheci a música: ganhei um violão de um amigo aos 13 anos. Só que, aos 17, a situação em casa ficou insustentável e eu dei o fora de vez. Preferi viver na rua.

Morei um tempo nas ruas de Florianópolis e depois em Curitiba. Conheci outros adolescentes e artistas que eram muito parecidos comigo e passamos a conviver. Não era uma vida tão ruim, ajudávamos uns aos outros, fazíamos nosso dinheiro – com malabares no semáforo, vendendo poesias e quadros. Mas, algumas vezes, eu realmente fiquei sozinho, passei fome e frio.

Precisei pedir sobras de comida, vasculhar lixo e cheguei a roubar em supermercado. Também usei droga para aguentar o frio. Apanhei muito de policial e seguranças, mas nunca fui preso. As pessoas costumam dizer “cheguei ao fundo do poço” quando perdem o emprego ou terminam um relacionamento. Mas eu fui muito além e posso garantir: o poço não tem fundo.

Um amigo me tirou das ruas

Vivi na rua por três anos até um amigo me chamar para morar com ele. Ele e a mulher eram músicos e me convenceram a voltar a estudar. Eu estava com 21 anos na época. Comecei a frequentar as aulas de música e artes na Udesc [Universidade do Estado de Santa Catarina], como ouvinte. Eu não me importava em ter um currículo ou diploma, só queria estar ali e aprender o máximo de coisas que eu podia. Fiquei quase um semestre lá.

Aos poucos, a vida foi melhorando. Eu consegui um emprego na área de vendas em uma boa empresa e passei a ter um salário fixo. Mas, ao mesmo tempo, fui me envolvendo cada vez mais com o cenário musical. Gravei algumas músicas e lancei um EP, que me rendeu bons contatos na área. Então, me comprometi a produzir um importante show, o Festival Grito Rock, em Florianópolis. E valeu, foi um sucesso, reunimos quase 500 pessoas em praça pública. Essa vivência me deu mais bagagem e coragem para montar a minha gravadora, a Rock City. E não é que deu certo?

O meu trabalho era trazer bandas underground para turnês no Rio Grande do Sul, além de conseguir divulgação para eles na imprensa. No primeiro ano de gravadora, eu fiz quase 50 shows e fui um dos produtores mais ativos de Porto Alegre, trazendo artistas de várias partes do Brasil para turnês. No ano seguinte, comecei a trabalhar com artistas internacionais.

Em maio de 2016, trouxe ao Brasil uma banda da Suécia e iniciamos uma turnê de 11 shows por quatro países da América latina. Fomos citados em diversos jornais e até mesmo na revista Rolling Stone Brasil. Em apenas dois meses, vendemos R$ 100 mil em ingressos. Agora já penso em criar filiais da Rock City e acabei de lançar meu primeiro trabalho musical em carreira solo. Menos de dois anos atrás, todas essas coisas eram algo muito longe da minha realidade.