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Cachaça: veja doze mitos e verdades sobre a bebida

Colaboração para o UOL, em São Paulo

19/05/2016 15h06

Podemos nos orgulhar e muito da cachaça - uma bebida nacional da boa, versátil, cheia de aromas e sabores e com muita história. Mas será que algumas das “frases típicas” sobre nossa bebida feita de caldo de cana fermentado e destilado são verdadeiras?

Conversamos com dois especialistas no assunto, o bartender e professor de mixologia Rodolfo Bob, da escola O Bar Virtual, e o empresário Paulo Leite, dono do bar Empório Sagarana, que prefere ser denominado como “pingófilo”. Eles nos ajudam a desvendar algumas lendas e também a dar o botãozinho de “like” para certas afirmações corretas. Conheça um pouco mais das histórias dá “água que passarinho não bebe” logo abaixo!

  • Gabo Morales/Folhapress

    Cachaça boa é a amarelinha

    MITO. O fato da cachaça ser amarelinha ou ter cores ainda mais intensas só quer dizer que a bebida foi envelhecida por mais ou menos tempo em madeira. E mais nada. Umburana, jequitibá, ipê, tapinhoã, bálsamo e até carvalho francês são algumas das variedades empregadas no envelhecimento.

    O estágio em madeira muitas vezes é até um recurso usado para esconder certos defeitos da cachaça. Rodolfo Bob aponta outra questão: "Há cachaças envelhecidas bem populares que, na verdade, são um monte de cachaças compradas de produtores diferentes, misturadas e engarrafadas". Ou seja, para se ter uma cachaça envelhecida realmente especial, é preciso primeiro produzir uma branquinha da boa.

  • Agência Fapesp

    Cachaça artesanal é melhor do que industrial

    EM TERMOS. O produto artesanal, em teoria, é para ser melhor que o industrial. "Na produção industrial, tudo é feito para reduzir custos. Na destilação, são acrescidas substâncias como soda cáustica e fermentos químicos. O produto fica padronizado, mas de baixa qualidade" explica Bob. Na pequena produção, quando seguidas as regras de excelência, a primeira parte da destilação (cabeça) e a final (rabo ou cauda) são desprezadas e podem ser usadas na fabricação de biocombustível. Vai para a garrafa apenas o 'coração' da destilação, a cachaça mais nobre.

    Paulo Leite, porém, alerta para os perigos de se consumir cachaça sem conhecer sua origem. "É quando alguém chega com uma cachaça sem rótulo dizendo: 'Essa é purinha, feita no engenho'". Desconfie severamente, pois sabe-se lá o que está indo para o seu copo. A cachaça de cabeça tem um teor alcoólico muito alto e alta concentração de metanol, produto de uma destilação mal feita, que pode causar cegueira (é a tal 'cachaça que faz chorar') e até a morte. "É preciso tomar cuidado, pois há muitos alambiques clandestinos no Brasil", ele alerta.

  • Rodrigo Capote/UOL

    Cachaça deve ser bebida em copos transparentes

    VERDADE. Todas as bebidas devem ser servidas em copos transparentes. Eles permitem apreciar elementos como a cor (das cachaças, dos vinhos, das cervejas), a carbonatação (das cervejas), a perlage (dos espumantes) e a viscosidade dos líquidos. No caso da cachaça, se quiser fazer uma avaliação mais cuidadosa entre amigos, Paulo Leite sugere o uso das taças ISO, próprias para degustação e que 'prendem' o aroma das bebidas. "É preciso servi-la cerca de 15 minutos antes de degustar, para que a sensação alcoólica se dissipe. É aí que você vai sentir a riqueza de aromas e sabores que está por trás do álcool, em se tratando de uma boa cachaça, naturalmente." No mais, os copinhos americanos tipo shot ou mesmo o modelo 'martelinho', usado para a tequila, são mais do que indicados para servir a cachaça pura.

  • Junior Lago/UOL

    "Cara, senti um aroma de flores na minha cachaça!"

    VERDADE. Sentiu, sim. Como todas as bebidas complexas, a cachaça pode apresentar uma série de aromas mais ou menos evidentes, resultado de diversos fatores: o tipo de cana usada, o solo da região e suas condições climáticas, o tipo de colheita, as condições de fermentação, as técnicas de destilação e, por fim, o tipo de envelhecimento. Um levantamento do jornalista Felipe Januzzi, do site Mapa da Cachaça, feito em parceria com a doutora em Ciência e Tecnologia dos Alimentos Aline Bortoletto, da USP, identificou 78 aromas a partir de uma vasta amostra de cachaças de distintos produtores e regiões. Alguns são agradáveis como aromas de frutas, flores, castanhas, mel, especiarias. Outros entram na categoria dos defeitos: esmalte de unha, maçã podre e até chulé.

  • Divulgação

    É desperdício usar cachaça muito boa para fazer drinques

    MITO. Se a sua situação financeira permite usar as bebidas mais refinadas para a coquetelaria, não é pecado algum. Se misturar uma cachaça de ótima qualidade com um vermute italiano de boa procedência, obterá um Rabo de Galo excepcional. "Não se usa conhaque francês para fazer coquetéis e kobe beef para fazer hambúrguer? Com a técnica correta e bons ingredientes, você terá, no mínimo, um superdrinque", diz Bob.

  • Thinkstock

    Se é cara, é porque é boa

    MITO. Há bebidas que são vendidas com a aura de 'premium' sem, necessariamente, serem excepcionais. Outras marcas ganharam fama de alta qualidade e seus produtores se aproveitam disso para colocar o preço nas alturas. "Há cachaças em que a garrafa de cristal é mais preciosa que o líquido, e outras muito famosas que são apenas boas. E há aquelas de produtores desconhecidos, porém excelentes, que representam uma ótima relação custo-benefício", diz o bartender.

  • Eduardo Knapp/Folha Imagem

    Cachaça dá dor de cabeça

    EM TERMOS. Qualquer bebida alcoólica, quando ingerida em excesso, causará ressaca e enxaqueca no dia seguinte (ou no mesmo dia). Os aldeídos, entre outros, são os grandes culpados pelo mal estar, quando ingeridos em quantidades maiores do que o fígado consegue metabolizar. Cachaças bem elaboradas têm menor concentração dessas substâncias, mas isso não quer dizer que você não sofrerá as consequências se exagerar. "Beber menos e beber melhor é a chave do bem estar", diz Paulo.

  • Patricia Stavis/Folhapress

    Cachaça muito forte queima a garganta

    MITO. A sensação de queimação no esôfago quando se bebe uma cachaça 'forte' não vem do teor alcoólico da bebida, que está sempre por volta dos 40% (como o uísque, a vodca ou o gim). O ardor é provocado pela acidez da bebida, que pode ser maior ou menor de acordo com o estilo local de produção. "As cachaças paraibanas são conhecidas por serem mais ácidas, mas esse não é exatamente um defeito, é a escola de produção do estado", explica Paulo.

  • Getty Images

    Cachaça e aguardente não são sinônimos

    VERDADE. A cachaça é uma aguardente. Mas nem todas as aguardentes são cachaça. O termo aguardente designa bebida de alto teor alcoólico destilada a partir de vegetais. São aguardentes a grappa italiana (uva), a bagaceira portuguesa (uva), o poire francês (pêra), o kirsch alemão (cereja), o tequila mexicano (agave), a vodca russa ou polonesa (trigo, batata, milho, cevada ou outros ingredientes) e tantos outros destilados.

  • Reprodução/askweddingplanning

    Caipirinha de verdade é feita com cachaça, açúcar e limão

    EM TERMOS: O assunto gera muita polêmica. Existe até um decreto, firmado em 2009, estabelecendo as regras para a execução da caipirinha com os ingredientes clássicos: cachaça, limão e açúcar. Os puristas se atêm a essa lei, mas os bartenders e teóricos mais arejados permitem que seja chamado de caipirinha o drinque preparado com jabuticaba, caju, pitanga, siriquela, tangerina ou qualquer outra fruta de bom sumo, de preferência com características cítricas. Açúcar mascavo, melado de cana ou rapadura são outras opções ao açúcar refinado. Mas tem de ser de cachaça, OK? Como vodca é caipivodca ou caipirosca, com saquê é caipisaquê...

  • Getty Images

    A cachaça foi criada pelos escravos

    MITO. A lenda é bonita: escravos que trabalhavam num engenho de cana deixaram o melado azedar e o levaram ao fogo, junto com uma porção de melado novo, para tentar recuperá-lo e fugir ao castigo. O vapor do álcool do melado fermentado teria se condensado no teto e começado a pingar (daí o nome pinga) nas costas dos escravos, fazendo arder suas feridas (daí o nome aguardente). Outra versão da lorota, comum na internet, dá conta de que a 'descoberta' teria acontecido nos porões de um navio negreiro.

    "Essa é uma das lendas mais absurdas sobre a origem da cachaça", diverte-se Paulo Leite. A técnica de destilação já era largamente difundida na Europa desde a Idade Média - os alquimistas a conheciam muito bem. Há várias hipóteses sobre o nascimento da cachaça, mas uma das mais aceitas, descritas pelo historiador e antropólogo Câmara Cascudo no livro "Prelúdio da Cachaça", é de que a bebida nasceu por volta de 1532 na capitania de São Vicente, litoral de São Paulo.

  • Getty Images

    Os bartenders do exterior estão descobrindo a cachaça

    EM TERMOS: Segundo dados do Ministério da Agricultura, a exportação de cachaça em 2015 não ultrapassa 1% de nossa produção - um número desanimador, se você compará-lo com o quanto a Escócia exporta de uísque ou o México, de tequila. Portanto, desconfie do papo daquele seu amigo que acabou de chegar da Europa dizendo que "em Berlim, a moda agora é caipirinha."

    "Não estamos com essa bola toda. Alguns bons bartenders espalhados pelo mundo sabem que a cachaça é um destilado incrível e versátil. Mas eles não são bobos e sabem que a cachaça industrial, mais largamente exportada, está longe de ter um valor qualitativo. Se tivermos hoje quatro ou seis marcas de cachaça de boa qualidade com boa distribuição e visibilidade no exterior, é muito", comenta Rodolfo Bob.