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Vinho falso já causou prejuízo milionário, e você pode já ter bebido um

Getty Images
Imagem: Getty Images

Anna Fagundes

Do UOL

19/07/2017 04h00

Garrafas caras –muitas vezes, BEM CARAS– nem sempre guardam o vinho que está no rótulo. O negócio das falsificações de bebidas é uma das grandes dores de cabeça para produtores e para os consumidores, que pagam fortunas por um produto que custa uma mixaria no supermercado da esquina.

As fraudes já colocaram em dúvida até mesmo artigos considerados históricos, como uma série de garrafas de vinho que teriam pertencido ao ex-presidente norte-americano Thomas Jefferson. Uma delas, um Bordeaux Château Lafite safra 1787, detém o título de garrafa de vinho mais cara já vendida em um leilão, tendo sido arrematada em 1985 por inacreditáveis US$ 160 mil (equivalente a cerca de R$ 520 mil).

O nome de peso ajudou a vender a raridade: antes de ser presidente dos Estados Unidos, Jefferson serviu como embaixador de seu país na França e tinha uma adega respeitável. “Ele foi o primeiro grande enófilo de que se tem notícia”, explica Mário Telles Jr., diretor-executivo e professor da Associação Brasileira de Sommeliers, em São Paulo. Além de entusiasta, ele fazia grandes compras direto com produtores. 

Como se sabia que a garrafa pertencia mesmo ao político norte-americano? Ela, literalmente, tinha seu nome --uma cortesia típica daqueles tempos. “Na época, quando uma personalidade se interessava por um vinho, era costume os produtores fazerem um lote especial para a pessoa, com o seu nome gravado nas garrafas ou no rótulo”, conta Telles Jr. E foram justamente as iniciais “Th.J” que impulsionaram a venda não só do Latife 1787, mas de outras garrafas da adega pessoal do ex-presidente.

Vinho novo, garrafa velha

O problema começou quando, em 2005, o colecionador de vinhos norte-americano Bill Koch, que tinha comprado quatro garrafas atribuídas a Jefferson, foi exibir algumas de suas aquisições em um museu. Ao investigar a origem dos vinhos --uma operação de rotina para garantir a autenticidade do material-- a equipe do museu não encontrou nenhuma prova de que as garrafas eram mesmo da adega do ex-presidente.

Capa do livro "O Vinho Mais Caro da História" (ed. Zahar) - Divulgação - Divulgação
Capa do livro "O Vinho Mais Caro da História" (ed. Zahar), de Benjamin Wallace
Imagem: Divulgação

Após uma grande investigação promovida por Koch, que envolveu um agente aposentado do FBI e exames dignos de séries de investigação forense, acabou-se chegando em um possível suspeito, Hardy Rodenstock, um colecionador alemão especializado em vinhos antigos. Ele dizia ter “localizado” os artigos de Jefferson em uma residência abandonada em Paris, sem, contudo, indicar o endereço ou procedência, e repassado os objetos para leilão.

De acordo com o inquérito, as gravações na garrafa comprada por Koch teriam sido feitas com uma ferramenta elétrica --certamente inexistente em 1787. Para completar, de acordo com um livro sobre o caso, “O Vinho Mais Caro da História” (ed. Zahar), dois testes de carbono 14 atestam que o vinho dentro da garrafa milionária seria de 1962. Desde 2006, Koch tenta processar Rodenstock por falsificação. O fim da história, pelo visto, ainda vai longe, uma vez que o colecionador alemão se recusa a ir aos Estados Unidos participar do julgamento.

Vinho barato, garrafa cara

Se você pensa que as falsificações se limitam a raridades, engana-se. Mesmo os vinhos que você pode comprar em uma loja podem ser adulterados. Em um caso famoso pelo volume, em 2014, a polícia italiana apreendeu nada menos que 30 mil garrafas de vinho falso na região da Toscana. O produto era vendido com rótulos de vinhos respeitados no mercado, como Brunello e Sagrantino di Montefalco, mas as garrafas continham bebida de qualidade bem inferior.

Segundo Telles Jr., muitos restaurantes, atualmente, ficam com as garrafas de vinhos de determinadas vinícolas para poder enviá-las aos produtores. Eles se encarregam de destruir os vidros para impedir que sejam reutilizados de maneira fraudulenta. “Um falsificador pode facilmente encher uma garrafa de um vinho caro, colocar novamente uma rolha e revender como se fosse o produto original”, explica. “As pessoas não sabem, por exemplo, que a rolha também traz indicações sobre o vinho e sua origem”.

As medidas anti-fraude ficaram ainda mais evidentes após o caso do indonésio Rudy Kurniawan, preso em 2012 com vasto material para adulterar vinhos de marca –como rolhas, rótulos e garrafas. Ele foi condenado a dez anos de prisão por suas fraudes, que lhe renderam cifras milionárias e uma vida de luxo bancadas por lotes de vinhos franceses de safras raras que, na verdade, eram falsificações bem produzidas a partir de vinhos de produtores menores.

Kurniawan foi pego, entre outras coisas, por causa de um detalhe: ao tentar vender, de maneira consignada, um lote de vinhos Clos St. Denis, produzidos pela vinícola francesa Domaine Ponsot entre 1945 e 1971. A questão é que a vinícola afirmou que não existiam vinhos Clos St. Denis anteriores a 1982. Os produtores entraram em contato com a empresa que faria o leilão para suspender a venda. A partir daí, a desconfiança em cima do indonésio só aumentou até o dia de sua prisão.

Um detalhe interessante é que uma das pessoas que entraram com processo contra Kurniawan foi, justamente, Bill Koch --eles entraram em um acordo extrajudicial em 2014. Mas ele não foi o único lesado. O documentário "Sour Grapes", de 2015, que narrou a história do falsificador, estima que pelo menos dez mil garrafas de vinho falsificado ainda podem estar nas adegas de colecionadores ao redor do mundo. E quem terá coragem de contar que levou vinagre para casa ao invés de vinho?