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Aproveitar ingredientes ao máximo deve ser regra na cozinha

Contra desperdício, parte do porco servido no resurante Neto vira embutidos caseiros para o Four Seasons - Ricardo D"Angelo
Contra desperdício, parte do porco servido no resurante Neto vira embutidos caseiros para o Four Seasons Imagem: Ricardo D'Angelo

Juliana Bianchi

Colaboração para o UOL

06/06/2019 04h00

Todos os anos um terço da produção mundial de alimentos é desperdiçada. Isto é, cerca de 1,3 bilhão de toneladas de frutas, verduras, cascas, grãos, carcaças e raízes vão direto para o lixo, quando poderiam alimentar 2 bilhões de pessoas necessitadas. Mais de 13 milhões só no Brasil, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Fundamental para reverter esse quadro, a consciência do não-desperdício começa na hora da compra, com as quantidades certas, e no esforço dos cozinheiros para aproveitar ao máximo os ingredientes.

"Isso é cozinha de verdade", afirma o chef francês Alain Poletto, que trabalha diariamente com essas premissas em mente. Em seu Bistrot de Paris, por exemplo, cascas de cebola, sementes e peles de tomates, talos de salsinha, espinhas de peixes e cascas de camarões viram caldos base para outros pratos.

Mais além, o chef Paolo Lavezzini, chef executivo do hotel Four Seasons São Paulo, faz da sobra do porquinho servido com feijão branco e banana, no restaurante Neto, a base para linguiças e mortadelas caseiras.

"Para mim é natural utilizar tudo do porco, do sangue aos pés. Minha avó fazia isso todos os verões na Itália", lembra.

Por aqui, as iguarias acabam fazendo a alegria dos clientes que as recebem como cortesia na entrada das refeições.

Compota de melancia - iStock - iStock
Cascas de melancia não precisam ir para o lixo: podem ser usadas para fazer geleia
Imagem: iStock

Nem mesmo as frutas servidas no café da manhã do hotel vão para o lixo após o tempo de exposição no bufê. A melancia, por exemplo, é levemente fermentada e cozida para virar uma inusitada geleia para o dia seguinte.

"É mais do que fazer comida, é um trabalho social de respeito ao alimento e a todos que trabalharam para que ele chegue até nós", diz o chef italiano. "Na cidade, às vezes não nos damos conta do sacrifício que tem por trás de cada ingrediente, mas é preciso ter consciência", completa.

Para quem está acostumado a cozinhar a partir de uma receita e não do que precisa ser utilizado antes que estrague na geladeira é tempo de mudança.

Bolinho de peixe do Me Gusta - Divulgação/ Thomas Albert2 - Divulgação/ Thomas Albert2
As aparas de peixe do ceviche do Marakuthai são usadas no bolinho de peixe do MeGusta
Imagem: Divulgação/ Thomas Albert2

"Desperdício me apavora", conta a chef Renata Vanetto. Com quatro restaurantes sob sua batuta - Marakuthai, Ema, MeGusta e Muquifo -, ela se dá ao luxo de intercambiar as diferentes partes dos ingredientes entre as casas para aproveitar tudo ao máximo.

"O bagaço do milho que sobra quando fazemos o mil-folhas do Ema vira bolo de milho com beijinho no MeGusta. E as aparas de peixe do ceviche do Marakuthai são usadas no bolinho de peixe do MeGusta", exemplifica.

A prática, que se repete pelos restaurantes e pode parecer óbvia para as donas de casa e cozinheiras mais antigas, infelizmente foi se perdendo com a facilidade oferecida pelos supermercados. Mas é preciso resgatar o hábito o quanto antes não só por respeito à terra, como àqueles que não têm acesso a tamanha abundância nutricional. Além do que, acaba sendo uma boa desculpa para criar e experimentar novas receitas.