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Bebidas e ingredientes brasileiros pouco conhecidos invadem a coquetelaria

Juliana Bianchi

Colaboração para o UOL

15/06/2019 04h00

Esqueça a caipirinha. Daqui pra frente, no que depender dos bartenders mais descolados de São Paulo, quem quiser brindar com um coquetel que seja a cara do Brasil terá antes de descobrir a acidez do mocororó, a potência da tiquira e o dulçor inebriante do mel de cacau.

Isso para citar apenas parte de uma longa lista de ingredientes e preparos típicos pouco conhecidos pelo público em geral, que começam a despontar em drinques nada básicos ou releituras com toque bem brasileiro.

"As pessoas têm grande interesse em conhecer o que é nosso. Temos uma infinidade de ervas, raízes e cascas que eram usadas para fazer bebidas, mas nunca foram exploradas na nossa coquetelaria", afirma a bartender e jornalista Néli Pereira, do Espaço Zebra.

Ali, ela põe em prática todo o conhecimento adquirido em anos de pesquisa sobre garrafadas e infusões brasileiras -- tema do livro que ela deve lançar até o fim de 2019--, em coquetéis inusitados como o Negroni Nativo, cujo vermute é infusionado com catuaba, ou o Carqueja Spritz, no qual a planta habitualmente usada para fazer chás digestivos empresta seu amargor e propriedades ao Aperol.

Negroni Espaço Zebra - Renato Larini - Renato Larini
Negroni Nativo, do Espaço Zebra, feito com vermute infusionado com catuaba
Imagem: Renato Larini

O movimento, que segue o mesmo caminho de resgate e valorização dos sabores nacionais pelo qual já passaram os cozinheiros, não para de ganhar adeptos em busca da construção de uma identidade própria para a coquetelaria brasileira. "Isso não é tendência, é destino", garante ela.

Que o diga Fábio La Pietra, responsável pela carta de drinques do bar Sub Astor, onde os diferentes biomas brasileiros guiam criações como o Maxixe, que leva tiquira - destilado obtido do mosto da mandioca, fabricado no país pelos índios muito antes de a cachaça surgir; gaspacho do legume que dá nome ao drinque e cujo sabor e textura lembram o pepino; além de alga nori, tequila e amêndoas. Ou o Bijoux Caju, feito com mocororó - espécie de cidra produzida a partir do suco de caju fermentado -, limão, gin e vermute.

Bijoux Caju do Astor - Ricardo D'Angelo - Ricardo D'Angelo
Bijoux Caju, do Sub Astor, feito com mocororó, bebida fermentada produzida a partir do suco de caju
Imagem: Ricardo D'Angelo

"Desde 2013 estamos pesquisando bebidas e ingredientes típicos para criar drinques de excelência com a cara do Brasil", diz La Pietra, que já tentou até mesmo fazer vinho a partir da jabuticaba. O teste ainda não foi aprovado, mas o óleo de pequi, a polpa de bacuri, o chimarrão, o jerimum, a pimenta-de-cheiro, o mel de cacau - líquido com alto teor de açúcar e fácil fermentação que sai ao se cortar a fruta - e o cambuci em forma de xarope e compota já foram incorporados às criações.

No bar Guilhotina, Márcio Silva já tem pronto "quase 60 litros" de licores de frutas "exóticas" como jenipapo, cajá e murici, para brincar de combinar sabores. As novidades serão apresentadas no segundo semestre do ano, quando será renovada a carta de drinques da casa. "É uma forma de estar sempre evoluindo e apresentar um Brasil que nem o brasileiro conhece direito", afirma o bartender.

Segundo ele, que tem rodado o mundo para apresentar suas criações (só este ano foram 15 países), as próximas bolas da vez são a tiquira, que começa a despontar com marcas premium, como a Guaaja, e a catuaba artesanal.

Outras bebidas brasileiras até então marginalizadas, como o conhaque de alcatrão, o Netuno Gengibre (aperitivo a base da raiz, cachaça e caju, o Paratudo (feito a base de ervas e raízes amargas) e a cataia (infusão de cachaça com a erva de mesmo nome, conhecida nos litorais do Paraná e São Paulo como uísque caiçara) também ganham nova roupagem em drinques equilibrados e instigantes criados por Rafael Coelho, no Estepe Bar, em Pinheiros.

Sempre cheio, o movimento do local aponta para o sucesso da quebra de paradigmas em um mercado até então ditado apenas por bebidas importadas. Pontos para os desbravadores, que assim também abrem espaço para o florescimento da indústria etílica nacional.