Patrimônio cultural, queijo mineiro ganha documentário dirigido por Helvécio Ratton

RAFAEL MOSNA

Colaboração para o UOL

  • Divulgação

    Helvecio Ratton (à direita) conversa com produtor de queijo em documentário

    Helvecio Ratton (à direita) conversa com produtor de queijo em documentário

O que é bom para os mineiros não é bom para o Brasil? Com esta indagação como subtítulo, o cineasta Helvécio Ratton propõe, no documentário "O Mineiro e o Queijo", uma discussão em torno do queijo artesanal de Minas Gerais, feito a partir de leite cru. Dentre os diversos queijos da região, o produzido na Serra da Canastra é o tipo mais conhecido em São Paulo e Rio de Janeiro e tem sabor levemente picante e textura macia e firme. Cerro e Cerrado também são outras regiões produtoras de destaque.

Produzido em Minas Gerais, o produto é, desde 2008, uma iguaria tombada patrimônio nacional cultural imaterial pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). "O queijo surgiu na época da mineração como uma maneira de conservar o leite. Assim como a geleia e os doces de compota, servia como uma maneira de estender a validade dos alimentos para quem estava no garimpo", atesta o diretor. "Sua produção tem mais de 300 anos, mas, hoje em dia, ele aparece como um produto novo."

A "novidade", segundo Ratton, se deve à dificuldade em encontrar o produto legítimo pelo Brasil. "O queijo de leite permanece em Minas Gerais. Alguns deles chegam a São Paulo, no máximo, em delicatessens e empórios mais chiques. Mas a maior parte, aquela que segue a outros Estados sempre na clandestinidade, é um queijo de segunda qualidade", alerta o cineasta.

  • Janaina Fidalgo/Folhapress

    Ao lado do marido, Zé Mario, Dona Valdete Alves da Silva produz queijo artesanal Canastra

Helvécio e Simone Matos, produtora do filme, contam que o drama do queijo artesanal mineiro teve início em 1952. "Naquele ano a legislação brasileira, baseada em normas vigentes nos Estados Unidos, restringiu a circulação de produtos à base de leite cru com menos de 60 dias de maturação pelo território nacional", conta o diretor.

Para a legislação estadual de Minas Gerais, a exigência de comercialização cai para 21 dias de maturação. Trocando em miúdos, o queijo artesanal não pode, legalmente, sair de Minas.

Esse entrave tem chance de mudar. Em junho, o Presidente Lula assinou o decreto 7217 que, grosso modo, busca a "equivalência dos sistemas sanitários agropecuários, adotadas pelas instâncias intermediárias e locais". Explica-se: a lei em relação ao comércio deste tipo de laticínio vigente em Minas Gerais pode, então, ser estendida a todo território nacional. Cabe ao Serviço de Inspeção Municipal ou Estadual entrar com um pedido em busca da tal equivalência. Segundo o Ministério da Agricultura, até o momento, nenhuma solicitação foi apresentada.

No filme -exibido no último domingo ainda em fase de montagem para um público reduzido no evento "Paladar do Brasil"- fica clara a relação do pequeno fazendeiro com sua produção de laticínios. A maioria deles chama seu rebanho pelo nome, cuida muitíssimo bem das vacas, sabem quando o leite não está bom assim que a ordenha é iniciada e reconhecem um bom queijo curado apenas batendo com a mão em sua casca. "É assim que os mineiros reconhecem um bom produto no Mercado Central de Belo Horizonte. Dão a típica batida um a um e escolhem o que vão levar", explica Helvécio.

Curar para ficar sadio
O documentário também é um convite para conhecer quase de perto o processo de fabricação do queijo. Nas três principais regiões produtoras o modo de fabricação é basicamente o mesmo, mas o sabor do produto final tem suas características próprias. Aspectos como a grama ingerida pela vaca e o clima e a altitude do local onde o queijo é produzido influem na qualidade e no sabor do laticínio.

O processo de fabricação do queijo artesanal, resumidamente, começa com a ordenha do leite. Cru, ele recebe um coalho industrializado e o "pingo", nome que leva o soro oriundo da fabricação do queijo no dia anterior. No "pingo" estão várias bactérias lácteas específicas de cada uma das microrregiões das principais zonas mineiras produtoras. São elas as principais responsáveis pelo resultado final característico de cada um dos queijos.

Depois de cerca de 40 minutos, a mistura, coagulada, é "quebrada" por instrumentos específicos. Essa "quebra" resulta na separação do soro da parte mais densa, que, peneirada, é modelada em formas plásticas. Um pano envolto à massa e nela torcido pode ajudar na prensagem.

 

  • Renato Stockler/Folhapress

    Produtor desenforma queijo Canastra, em São Roque de Minas, em Minas Gerais

O queijo fresco ganha, então, uma camada de sal grosso. Depois, recebe um acabamento manual e é levado para prateleiras de madeira para ser curado - ou maturado. Virado e higienizado com água e soro todos os dias, este processo repetitivo pode, nas prateleiras, durar meses. É quando, segundo os produtores locais, o queijo se cura, ou seja, fica mais saudável e com a predominância das bactérias boas.

De acordo com o Ministério da Agricultura, para que um queijo produzido a partir de leite cru seja bom para o consumo, o controle sanitário do rebanho deve ser prioritário. Nos bons produtores, o cuidado começa na ordenha, com a limpeza cuidadosa do animal. Além disso, são necessárias boas práticas de fabricação, como, por exemplo, instalações e equipamentos adequados.

Nas queijarias, o ambiente deve ser azulejado, com fonte de água clorada e luvas e máscaras sempre presentes durante a manipulação do alimento. "Ao invés de combater o queijo, o correto é ir até o animal e verificar se ele está em boas condições de saúde e de vida".

Com certeza, não será difícil encontrar exemplos assim em Minas, onde, em muitas fazendas, a produção passa de pai para filho. Lá, já se nasce sabendo a técnica do bom e delicioso queijo.

O documentário "O Mineiro e o Queijo" tem lançamento previsto para outubro de 2010.
 

 

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